domingo, 9 de dezembro de 2007

Escrever(-me) continuamente






A escrita é a minha primeira morada de silêncio

a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras

extensas praias vazias onde o mar nunca chegou

deserto onde os dedos murmuram o último crime

escrever-te continuamente... areia e mais areia

construindo no sangue altíssimas paredes de nada

esta paixão pelos objectos que guardaste

esta pele-memória exalando não sei que desastre

a língua de limos

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos

as manhãs chegavam como um gemido estelar

e eu perseguia teu rasto à beira-mar

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio

desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo


Al Berto, O medo
Lisboa, Assirio & Alvim, 1997



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